Analisando as eleições municipais de 2024, e comparando as mesmas com as anteriores, é possível notar um padrão que tem se repetido desde a redemocratização da nação: o eleitor brasileiro deseja mudança, mas ao mesmo tempo exige ser convencido de que essas mudanças ocorrerão de forma responsável e gradual.
Desde a redemocratização do país, em 1985, o eleitor tem mostrado um anseio por renovação política, mas também demonstra um imenso receio quanto à capacidade dos candidatos em promover essa mudança de forma equilibrada.
É interessante destacar que, com exceção das eleições de 1989, quando o eleitor votou pela primeira vez após anos de regime militar, o Brasil tem presenciado eleições marcadas por essa dualidade entre o desejo por mudanças e a necessidade de promover as mesmas com segurança e responsabilidade.
Esse padrão talvez tenha se confirmado após a desastrosa gestão de Fernando Collor, que culminou em um impeachment.
Desde 1994, quando Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente, há padrão persistente no perfil do eleitor.
FHC foi eleito, mas já havia demonstrado sua responsabilidade em corrigir a economia do país como ministro da Fazenda e sua gestão foi marcada pela implantação do Plano Real e pela responsabilidade fiscal, há um padrão que mantém o eleitor receoso quanto a alguns avanços, uma vez tais “avanços” sempre são acompanhados de um impacto, nem sempre agradável a parcela da população.
Analisando o contexto histórico, vemos um FHC que conseguiu manter a estabilidade econômica e social do país, sendo reeleito em 1998. No entanto, o fracasso do neoliberalismo mundial na década de 90, que culminou na grande crise de 1999, impediu que seu sucessor fosse eleito.
Mesmo assim, José Serra foi ao segundo turno das eleições presidenciais após uma polarização acirrada com Ciro Gomes, que fora do páreo, utilizou toda sua energia pra convencer o Brasil que Luís Inácio Lula da Silva era, naquele momento, um espectro autêntico de um processo extremamente responsável que traria ao brasileiro uma parcela de mudanças almejadas, acompanhadas de muita responsabilidade.
No entanto, a eleição de Lula não veio sem antes uma carta por escrito, declarando seu compromisso responsável com as conquistas estabelecidas pelo governo anterior e ainda, um compromisso com os setores mais conservadores do país, entre eles, parte do Agro e uma multidão de lideranças evangélicas ascendentes na política brasileira.
Essa lógica tem se repetido ao longo dos anos, inclusive nas eleições municipais de 2024. Os eleitores estão cada vez mais exigentes e atentos à capacidade dos candidatos em promoverem mudanças de forma responsável e equilibrada.
O eleitor quer ver propostas concretas, planos realistas e líderes comprometidos com o bem-estar da população, que promovam tais mudanças sem ameaçar a estabilidade dos poderes constituídos.
Se observarmos mais friamente, a polarização ideológica e a desconfiança em relação às instituições públicas têm impulsionado esse comportamento do eleitor brasileiro, que busca por alternativas viáveis e seguras para o futuro do país. Uma vez que candidatos que exponham de forma clara sua ideologia largam na frente na preferência do eleitor, mas precisam ao longo do processo demonstrar um imenso compromisso, principalmente, com aqueles que não são adeptos de sua ideologia.
Ou seja, o candidato que se declare de esquerda, para ter sucesso em uma eleição para o executivo, precisa ao longo do processo, assegurar seu compromisso com quem não é de esquerda, e candidato que defende pautas conservadoras e tradicionais, para ter êxito, precisa demonstrar que também tem compromisso social com as minorias.
Quanto as eleições legislativas, estas sempre abrem espaços para Enéias, Tiriricas, Boulos, Zeca´s, Marquinhos, Clodovi´s, Russomano´s, Jalasca´s, Isa´s Marcondes e Flankin´s, mas estes só continuarão a prosperar se conseguirem ao longo de seu(s) primeiro(s) mandato(s), conquistarem o eleitor que possui um perfil ideológico distinto de quem os elegeu em seu momento de glória em uma eleição legislativa.
Zeca, por exemplo, após seu renascimento como vereador em Campo Grande, se tornou um destacado “amigo de tucanos”. Clodovil e Russomano, não fizeram um movimento feliz em suas tentativas de crescimento e acabaram sucumbindo.
Em Ponta Porã, as eleições municipais já elegeram fenômenos assim a prefeitura em dois momentos. Flávio Kayatt, um fenômeno que conquistava os apaixonados por esporte na década de 90, teve uma votação expressiva para vereador, foi eleito vice-prefeito, deputado estadual e conseguiu ao longo de uma década, convencer o eleitor que poderia dar a Ponta Porã, as mudanças almejadas com responsabilidade e assim venceu o então prefeito Vagner Piantonni em 2004.
Outra vez que isso ocorreu foi em 2008, quando o então vereador recordista de votos no município, Ludimar Novaes, foi eleito com a benção do então prefeito, mas ao longo de seu mandato como vereador, se destacou por se isolar de quem o elegeu e conquistar o apoio de quem em 2008 não o apoiava, sendo eleito ao paço em 2012.
No entanto, a repetida atitude de Ludimar, o prefeito eleito, em não continuar sendo parceiro de quem o levou a vitória, o levou ao fracasso eleitoral em 2016, mas fora vencido somente por aquele que na ocasião já havia dado requintes de imensa competência. Hélio Peluffo Filho, que havia sido derrotado em três disputas ao executivo municipal, mas continuou seu trabalho, tornando-se um agente aprovado em seu trabalho como secretário de Obras, não só em Ponta Porã, mas também em Maracaju.
Observando os 8 anos públicos de Ludimar, somos obrigados a abrir um parêntese nesta análise, é preciso mostrar competência conquistando novos aliados que não fazem parte de seu projeto ideológico inicial, mas não se pode abandonar os parceiros que são seus companheiros durante o processo. Resumindo, é preciso conquistar o antigo adversário, mas não se pode chutar o balde com antigos aliados. Quem não valoriza seus colaboradores, não prospera.
Voltando a análise comportamental do eleitor e de sua condição entre seu claro desejo de mudança e seu imenso receio pelos “efeitos colaterais” que a mesma possa provocar, 2024 foi marcado por resultados que confirmaram esse comportamento histórico do eleitor brasileiro.
Se voltarmos a história do Brasil após 2002, veremos que em 2006, o presidente Lula foi bem avaliado e reeleito, a forma como abraçou antigos adversários, o levou a eleger sua sucessora, Dilma Rousseff, que apesar de não ser tão popular quanto o antecessor, também foi reeleita.
Essa clara leitura levou os opositores do grupo político que estava a frente do nosso país, a criar um grande esquema que envolveu lobby de grandes empresas de comunicação e um congresso liderado por um grupo de políticos, hoje, condenados, a utilizarem medidas não eleitorais para os tirarem do poder.
Dilma foi deposta por “irresponsabilidade fiscal” mesmo sem nunca ter assinado um documento que comprovava tal ato e de igual maneira, Lula foi condenado em processo viciado em 2016, o que o tirou das eleições de 2018.
Como vimos, Dilma foi deposta não pelo voto popular, mas por um processo de impeachment organizado por seus opositores que perceberam o comportamento do eleitor brasileiro. Esse episódio criou uma nova anomalia em 2018, quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente de uma forma semelhante ao que ocorreu em 1989.
Bolsonaro afirmava representar uma mudança brusca, enquanto seu principal adversário estava impedido de concorrer. Assim, a teimosia do PT em provar sua razão nos casos Dilma e Lula abriram espaço para a única vez em que o processo eleitoral destoou desta necessidade de comprovada responsabilidade e equilíbrio para vitória de um projeto político desde a redemocratização.
No entanto, em 2022, o padrão voltou a se repetir, com a eleição de Lula, que havia sido testado anteriormente por oito anos e era considerado um agente de sucesso. Esse histórico mostra que os eleitores desejam mudanças, mas também querem garantias de que essas mudanças serão feitas de maneira responsável, sem comprometer a condição favorável de alguns grupos influentes na sociedade.
Assim, 2024 trouxe em São Paulo Boulos e Marçal, que representaram uma proposta de mudança, mas o primeiro não conseguiu convencer o eleitor paulistano, de que como professor e intelectual, possui a responsabilidade e equilíbrio que a maioria exige.
Isso talvez tenha ocorrido pelo fato de Boulos ter sua imagem associada a movimentos sociais que apesar de lutar por causas que são consideradas pelo eleitor comum, justas, não consegue convencer o eleitor de que uma vez a frente do executivo, efetuaria as almejadas reformas e transformações de forma responsável.
Por outro lado, Pablo Marçal ignorou os fatos externos ao pleito eleitoral de 2018 e tentou repetir os mesmos modelos que levaram Bolsonaro, na ocasião, ao poder.
Marçal se tornou um fenômeno eleitoral, isso é fato, mas demonstrou uma tremenda irresponsabilidade, publicando inclusive, mentiras sobre um adversário direto as vésperas das eleições. Mentira esta que diferente de muitas outras que circulam pelo período eleitoral, foi rapidamente desmentida e lhe custou o acesso ao 2º turno.
Assim com este comportamento padrão repetido pelo eleitor brasileiro, Nunes foi reeleito em São Paulo, Paes foi reeleito no Rio de Janeiro, Adriane foi reeleita em Campo Grande, Eduardo Campos foi reeleito em Ponta Porã, Em Dourados, por sua vez, Marçal conseguiu convencer o eleitor que pode promover as mudanças que a cidade precisa de forma responsável, o mesmo pôde se ver em Corumbá com a eleição do Dr. Gabriel.
Enfim, se o perfil do eleitor brasileiro não mudar, quem quiser se tornar um representante eletivo população terá que convencer o eleitor de que pode auxiliar na promoção das mudanças que a sociedade almeja, de forma responsável.
Por outro lado, quem hoje representa a população e quer continuar a exercer esse papel na nossa democracia terá que convencer os seus assíduos eleitores que auxilia da construção das mudanças que sempre defendeu, mantendo-o como seu aliado e defensor de seu projeto, acrescentando a este, o desafio de conquistar o eleitor que possui um perfil ideológico distinto, mostrando competência e principalmente, responsabilidade ao se posicionar ante pautas polêmicas, mas principalmente, assegurando aqueles que são “fãs” de seus antigos adversários, respeito e equilíbrio de tal forma que a rejeição diminua e o hoje representante eleito, possa almejar inclusive, posições de maior poder.
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